Los Pasos Perdidos: Nuno Ramos
Abertura: 15 de março às 10h
Exposição “Los Pasos Perdidos” reflete sobre apagamento e memória
O artista, ensaísta e escritor Nuno Ramos (1960) volta a realizar uma grande exposição em Belo Horizonte, com sua produção mais recente, na Albuquerque Contemporânea Galeria de Arte. “Los Pasos Perdidos”, título emprestado do livro do cubano Alejo Carpentier, traz uma série de sete pinturas, desenhos (tinta sobre papel) e instalações produzidas ao longo do último ano pelo artista.
A pintura acompanha a trajetória de Nuno desde o fim da década de 1980 e é sua mais constante e regular atividade como artista – embora o artista transite por todas as linguagens artísticas – escultura, instalação, audiovisual, performance, literatura. A mostra retoma sua linguagem particular como pintor, em que utiliza materiais diversos e tinta a óleo fundida com parafina, criando grandes volumes em encáustica, técnica que remonta à Antiguidade, mas que, neste caso, apresenta uma mistura de tinta óleo, parafina, vaselina e pó e requer um tempo próprio de manipulação.
As sete obras são em grande formato – as menores têm 190 X 170 cm, a maior 210 X 440 cm – e pesam até 400 quilos. Nuno conta que trabalhou quase diariamente nos quadros criando uma espécie de palco onde vive e expõe seus dramas. “Eu não entendo esse palco como um lugar de coisas já existentes. Crio a partir dos materiais, é a materialidade mesma que está sendo posta. E aí, tenho que evitar de ter muita composição. Gosto de comparar quando a água leva as coisas numa enchente, quando a maré baixou e deixa as coisas, do arrasto, de outra força que levou, o que não é exatamente composicional.”
O artista pinta em chassis horizontais, lançando mão de diversos materiais sobre a superfície. “O trabalho se ancora numa espécie de base gravitacional, eu pinto sempre no chão, nunca de pé. Tem uma forte característica de jogar as coisas, de elas caírem, de elas se organizarem pela gravidade”, afirma Nuno. As diversas camadas de encáustica e materiais superpostos remetem a palimpsestos, nas quais o artista constantemente lida com uma atuação sobre a superfície e seu próprio apagamento.
Nesse processo há doses de acaso, de instintivo, em que surgem acidentes topográficos, relevos, volumes e, no caso desses trabalhos recentes, muitas cores vibrantes, com tridimensionalidade que oferece possibilidades de romper a monotonia da tinta sobre a tela. Na maioria das vezes, essa tridimensionalidade é veiculada por materiais distintos: alumínio, latão, cobre, vidros quebrados, pelúcias, lona, brim, plásticos. Nuno considera os quadros “uma tentativa meio desesperada de alegria, de potência visual”.
O artista conta que as cores pertencem às coisas, são veiculadas pelos materiais. “Esse pertencimento da cor a um material, a uma associação que esse material traz, de repugnância ou de atração, o verde que está sobre a pelúcia, que parece que a pelúcia suou aquele verde, essa cor não está na tela, ela está sempre veiculada e interpretada por algo. Já é uma matéria, não é o pigmento no óleo, já é outra coisa. Tudo tem corpo, tem memória, tem opacidade de que passou pelo mundo, por algum material. É muito raro ter algum momento em que a pintura está nela mesma, está sempre associada a algo.”
Criação e apagamento
O apagamento é a ideia central das três esculturas criadas para essa exposição. Nuno concebeu estruturas complexas, com pedras horizontais (ou lajes) de dois centímetros repousadas em cavaletes sobre as quais serão aplicadas réplicas de três telas do artista russo Kazimir Malevitch (1879-1935). São réplicas de três obras feitas em pó aplicadas sobre a pedra. Sobre elas uma estrutura de metal, contrapeso e roldanas segura uma espécie de rastelo, que se arrasta sobre a pedra, apagando o desenho em pó. A engenhoca vai se mover três centímetros por dia, levando um mês e meio – a duração da exposição – para desfazê-la completamente.
Para Nuno o construtivismo russo teve grande influência sobre o neoconcretismo brasileiro, que ainda é a grande referência para artistas de sua geração. “Nosso modernismo contemporâneo”, nas palavras de Nuno. Os “Contra Relevos” ou a série “Bichos”, de Lygia Clark; as formas geométricas de Hélio Oiticica ou de Amilcar de Castro, obras importantes do neoconcretismo brasileiro dialogam com o construtivismo de Malevitch. “Achei interessante pegar essa espécie de origem e apagar, de certo modo, de fazer esse gesto iconoclasta de modificação radical de um ícone. E o ícone eu escolhi o Malevitch – poderia ser o Mondriaan – porque acho que nele está contido muito do que a gente fez”, explica Nuno.
A dualidade e o contraste entre as novas formas, a diversidade de materiais, de um lado, e o apagamento simbólico de uma importante referência da pintura, de outro criam a ideia de nascimento e morte, de apagar e reescrever, retornando ao conceito de palimpsesto. Achei os dois movimentos ficariam interessantes: meus quadros estão ali vomitando, excretando cores e formas e matérias e, por outro lado, essa outra origem está sendo misturada, apagada, refeita, voltando ao pó, que é o material de que eu nunca saí”, explica Nuno.
A exposição ainda terá desenhos, como o artista define a série de XX pinturas sobre papel. São pinturas que, pelo processo, remetem também ao apagamento. “Coloco uma forma de tinta sobre o papel e meio que apago ela com terebentina, faço isso várias vezes e ela vai se apagando”, explica. São pinturas de cores vivas, com cerca de 170 X 150 centímetros, bastante monocromáticas, o que pode ser outra referência a Malevitch e seus quadros vermelhos, brancos ou negros de formas quadradas. No entanto, no caso de Nuno Ramos, há elementos mais orgânicos, nos quais ele faz interferências em monotipia, criando linhas, formas e pequenos relevos.
Com este conjunto potente e diverso, Nuno Ramos cria diálogos temporais, referências à sua trajetória e à história da arte, mas sempre com a marca personalíssima que marca seu trabalho. O ato criador se mescla com o desfazer constante, reforçando a ideia de busca eterna do artista inquieto e que se arrisca a cada gesto.