Em 27 de abril de 1971, Stanley Brouwn anotou em uma pequena folha de papel o número exato de passos que deu naquele ano ao cruzar a Holanda, Alemanha, Suíça e Itália. A obra de Brouwn simboliza a proximidade e a relação intrínseca de ações aparentemente distantes como caminhar, medir e catalogar. A partir dos Situacionistas, caminhar tornou-se uma forma de se libertar da atitude passiva imposta pela sociedade do espectáculo, enquanto contar, medir e arquivar (passos, pedras encontradas, unidades de distância percorrida), e talvez recolher algo ao longo do caminho, são gestos que salvam a ação do esquecimento e a imortalizam, transformando-a inevitavelmente em outra coisa.
Algumas obras de Marcelo Moscheta fazem parte dessa linhagem: sua Série Pedras (2009), por exemplo, reúne uma série de pedras coletadas durante vários dias de caminhada, e cada uma é identificada com as coordenadas exatas do local onde foi encontrada. Existem analogias entre esta obra e algumas ações de Long ou, mais recentemente, de Helen Mirra, mas o que torna a Série Pedras única é o ‘retrato’ que acompanha cada pedra, executado com extraordinário virtuosismo pelo artista em grafite sobre placa de PVC. No desenho, utiliza uma técnica muito original: a partir de uma fotografia, cria uma ‘máscara’ marcando uma folha de papel vegetal com o contorno exato da pedra. Em seguida, ele recorta e cobre com pó de grafite e, por fim, apaga com uma borracha para realçar o formato. Este método pode ser visto como mais próximo da escultura do que do desenho, pelo menos do ponto de vista da célebre definição de escultura de Michaelangelo como o que é feito “per forza di levare”.
Isto é significativo, considerando que a maior parte dos trabalhos recentes de Moscheta, mesmo aqueles em que o desenho é central, são eminentemente escultóricos e de instalação. Em 33 Montanhas (2010), por exemplo, os desenhos são montados em longas “pernas” de ferro, enquanto em Atlas (2011) as imagens de cada planeta do sistema solar são fixadas à parede por um cabo de aço. Em ambos os trabalhos cabe destacar que o desenho ainda é utilizado como sistema de medição. No primeiro caso, o número de montanhas alude à idade do próprio artista quando a obra foi realizada, enquanto no segundo, o tamanho de cada planeta é corretamente proporcionado em relação à Terra. Aludindo respetivamente às implicações de uma época simbolicamente carregada e ao titã da mitologia grega que carregava o mundo nas costas, estas obras apontam também para a dimensão espiritual, quase mística, das paisagens de Moscheta.
É no choque entre o desejo de medição precisa e o fascínio pela imensidão insondável do mundo que reside o cerne da sua obra. Nesse sentido, a obra insere-se na grande tradição romântica de confrontar a humanidade com a vastidão da natureza. Fascinado pelas heróicas expedições científicas do passado, o artista estabeleceu residências em locais remotos como o Círculo Polar Ártico ou o Deserto do Atacama no Chile, onde produziu obras em que a relação entre o Homem e a Natureza se torna central, ainda que de forma elíptica. Em outras palavras, e surpreendentemente tendo em conta a frequente ausência da figura humana nestas imagens, o autêntico protagonista destas obras é o homem – uma pequena figura em contraste com a vastidão do horizonte – que caminha, mede, observa e anota.
Texto original em inglês - tradução livre.
Vitamina D2 - Marcelo Moscheta
Jacopo Crivelli Visconti
Curador