As pinturas de Liliane Dardot convidam a um exercício de vagares. Como a própria natureza que lhe concede tema e matéria, é uma pintura que se vai sedimentando aos poucos, na sua aparentemente austera conformação, mas que, ao fim, floresce em celebração de forma e cor. É uma pintura que assume um tempo, em precisas estações - desde a preparação, a semeadura, o amadurecimento, até a colheita - como ações, eventos reais e não metáforas. São atos cúmplices do tempo, traduções de desejos e expectativas, resoluções e esperas: desde o projeto, a preparação da tela, a coleta de materiais pictóricos, ao lançamento ou transcriação das formas apreendidas da natureza.
Tintas, terras, pigmentos são preparados e utilizados como literais adubos para se fazer florescerem as formas. A matéria tem seu tempo de ação, de decantação, de impregnação, seu amadurecimento, na transformação quase microscópica operada pela sedimentação dessas misturas, até que, enfim, se possa colher com o olhar (e com as mãos) essa preciosa messe a que se dá nome de pintura.
Há um novo sentido para essa pintura, delicada e ao mesmo tempo resoluta, severa em sua realização, tocante em sua silenciosidade cheia de sutis rumores, tal qual auscultamos na natureza real que a motiva.
Não é "pintura de paisagem" no sentido de gênero, mas uma pintura que tangencia a natureza e elementos da natureza em efígie - flores, frutos, galhos, árvores, sementes, florestas, vales, planos, luzes, sombras, neblina, camadas de ar, sopros. Se esses elementos são até certo ponto perceptíveis, eles são mais do que representações, são condutos de uma linha de interesse, constructo de evocações (no dizer de Arthur AlainFeinnes) através dos quais nos tornamos receptivos a tantas outras questões ali semeadas, questões que são essencialmente de linguagem e da linguagem da pintura. Há, nessa pintura tão cheia de refinamentos, coisa do tempo, do fazer e do fruir. Ela é construtiva, em um sentido diverso da pintura planar geométrica.
Sua construtividade é deliberada na dimensão temporal, quando o tempo de execução internaliza um jogo de co-incidências, que possibilita a apreensão de fatos óticos, na medida do deslocamento do observador, da mesma forma que as diferenças de luz (intensidade, onda, qualidade de cor, opacidade e brilho) igualmente produzem percepções diferentes, velando e desvelando, acentuando e revelando acontecimentos plásticos (imagens, texturas, cores), misteriosamente engendrados no interior do espaço.
Assim, a pintura propõe um tempo de fruição mais dilatado e mais concentrado. “Aspectos como alteração da luz incidente ao longo do dia, ou do próprio deslocamento do espectador em relação ao quadro, podem levar a algumas descobertas decorrentes dos diferentes graus de visibilidade”.
Essas possibilidades fazem do observador um performer: a leitura torna-se ato físico, mental e poeticamente ativo.
Com isso, a tela pintada se faz lugar para a prática de sutilezas, refinamentos perceptivos, da mesma forma como é para a artista: canteiro em que a forma decanta, onde os resíduos refinados da matéria pousam em silêncio, esse silêncio cheio de sentidos, que faz germinar os frutos da terra. Da pintura.