O Templo dos Mil Sinos por Lorenzo Fusi

Laura Belém
Agosto 19, 2010

As narrativas da memória, deslocamento e transitoriedade são centrais nas obras contextuais de Laura Belém. Suas intervenções poéticas e meditativas tocam a essência das emoções humanas e, desta forma, fazem-nos mudar nossas perspectivas do cotidiano. Em sua instalação de 2005, Enamorados, por exemplo, dois barcos a remo equipados com holofotes trocavam sinais contínuos numa extensão de água, como se fossem amantes envolvidos em um encontro romântico.

 

A delicadeza de seu gesto artístico geralmente se contrasta com a consistência de seu tema. Exemplar, nesse sentido, é a obra Naufrágio, vídeo que documenta uma caravela derretendo-se gradualmente em um lago indistinto de cor. Um sentido de perda, morte e desilusão emerge, enquanto a imagem se torna gradualmente irreconhecível e então desaparece. A obra faz referência, especificamente, à ocupação colonialista da América do Sul, mas também atua como uma metáfora mais ampla para a imigração, o exílio e a nostalgia.

 

De modo análogo, a instalação criada para a Liverpool Biennial International 10 concentra-se nas relações entre o passado e o presente, e apresenta ao espectador uma nova esfera de possibilidades para o futuro. Trata-se de uma adaptação livre de uma antiga lenda, a história de um templo numa ilha, cuja característica mais notável e distinta era possuir mil sinos. Supostamente, viajantes que cruzavam os mares, mesmo a uma grande distância da ilha, ouviam o soar dos sinos. Com o passar dos séculos, a ilha afundou no mar, e com ela o templo e seus sinos. No entanto, a ilha e seu santuário não foram totalmente esquecidos, conforme revelado pelas incansáveis tentativas de um marujo de ouvir novamente a música dos sinos submersos. Embora o som tivesse desaparecido nas profundezas do oceano há muitos anos e o empreendimento do marujo parecesse inútil, ele não desistiu de suas tentativas e obsessivamente continuou sua busca.

 

A artista não garante que a música perdida dos sinos (possivelmente simbolizando nossa busca contínua e, de certa forma, frustrada, pela espiritualidade) será ouvida durante a exposição. Mas os vestígios de seu som poderão ressoar nos ouvidos e corações daqueles que mais conseguirem se abrir ao entorno e interpretar o silêncio.

 

Texto origininalmente publicado em inglês no catálogo da Liverpool Biennial International 10 Exhibition, Touched, 2010. Traduzido para o português por Heloisa Perrone Attuy.

 

Informações sobre o autor: Lorenzo Fusi trabalha na Bienal de Liverpool e foi curador da International 10, principal exposição do Liverpool Biennial Contemporary Art Festival. Lorenzo atuou como curador da SMS Contemporanea, em Siena, tendo sido curador-chefe do Palazzo delle Papesse (Itália) até 2008.