Alan Fontes é um pintor do espaço tridimensional. Não apenas porque representa um espaço que se desdobra no interior da tela, como na tradicional imagem da pintura como janela para o mundo. Mas porque o artista transforma o mundo em pintura. É como se estivéssemos no interior da pintura, tanto quanto ela está completamente fora de si mesma.
O procedimento não significa um abandono definitivo da tela ou do plano, tampouco a tentativa de salvar a pintura de um fim que nunca chegou. Ao contrário, ele é fruto ao mesmo tempo de uma liberdade que o presente possibilita e de uma conquista do artista. Algumas de suas telas trazem um plano descontínuo em relação ao fundo, como se estivesse descolado do conjunto, mas dentro dela. São pinturas de reflexos em superfícies de vidro ou de elementos da construção. Se em alguns trabalhos há uma investigação de arquiteturas e utopia, em outros há ruínas. A série de casas destroçadas feitas a partir de imagens de cidades que passaram por terremotos, mais do que tragédia humana, simboliza a derrocada de um ideário.
Há telas em que o artista se vale de imagens aéreas e distantes do espaço vivido pelo corpo. O achatamento da topografia e dos acidentes do terreno poderiam parecer opostos aos trabalhos em que a linha do horizonte é visível. Entretanto, a vista aérea pressupõe uma experiência mediada por aparatos tecnológicos como o GPS, assim como imagens preexistentes retiradas de revistas e internet são referências para casas e paisagens. De todo modo, parece ser pela imagem que a relação com o mundo se torna possível.
A pintura de Alan Fontes não se contenta com limites físicos. Ela literalmente cai para fora da tela, como quando garrafas voam para o piso. A cenografia também é o trabalho. O interior da sala se confunde com a pintura. O papel de parede cinza vira rosa na tela. O que seria pano de fundo se torna protagonista. Nesse trabalho, todo o ambiente tem referências a filmes em que os vínculos entre os casais são desfeitos. Os objetos pintados que aparecem no exterior das telas, realizam uma experiência inversa àquela da pintura de Van Gogh no filme Sonhos, de Akira Kurasawa.
Arquiteturas e ideias em ruínas, relações pessoais desfeitas e imagens no lugar do contato corporal são signos da distopia. Como a continuidade entre o que ocorre dentro e fora das pintura de Alan Fontes não se dá apenas pelo uso da perspectiva, seus trabalhos convertem o espaço que habitamos em ficção. E sua evidente habilidade técnica tende a se camuflar em seu sarcasmo e auto-ironia.
Cauê Alves, 2016