BANDIDA, 2014
Museu de Arte da Pampulha
Em plena luz do dia, um flagrante delito atrai os olhos curiosos do passante, provocado por um pisca-pisca que, em sua intermitência, faz reluzir o estranho pó dourado que se espalha pelo chão. A cena explicita o que por certo não deveria ser revelado. Compõe a ambiência desse acidente supostamente recém ocorrido, uma carroceria tombada espetacularizada pelos vários focos luminosos a ela dirigidos, potencializando assim a presença transbordante de sua carga de brocais. Tudo leva a crer estarmos diante de um contrabando flagrado, o que nos torna ao mesmo tempo voyeurs e testemunhos desse crime forjado. Ruidoso ao invadir o luxuoso espaço ex-Cassino da Pampulha, lugar dos jogos de azar, de inconfessáveis vícios, esse estranho acidente impõe sua luz e ironia sobre o espaço que o acolhe.
A instalação “Bandida” apresentada nessa 5ª edição do Bolsa Pampulha pela artista paulistana, Flávia Bertinato, foi montada em primeira versão na Galeria Marília Razuk em São Paulo, sendo ampliada, adequando seus elementos ao espaço do Museu de Arte da Pampulha. Tal deslocamento permitiu a ativação de outros diálogos, agora com questões específicas desse contexto que abrange tanto aspectos históricos da cidade de Belo Horizonte, como as condições arquitetônicas do edifício, além da pertinente crítica a respeito de características intrínsecas ao âmbito da arte, suas relações de circulação e mercado. E vai além: fatos recentes da vida política do país são facilmente acessados, com toda a ironia e sarcasmo que participa de outras tantas obras dessa artista, atenta ao cotidiano mas sobretudo às suas margens clandestinas, do disfarce, do falso, da perversão. Citando o filme de Rogério Sganzerla, “O Bandido da Luz Vermelha” (1968), inspirado nos irreverentes crimes de João Acácio Pereira da Costa, a instalação “Bandida” propõe, nas palavras da artista,” uma representação da representação, o disfarce do disfarce”, através da eloquente encenação que acentua fluxos entre o marginal e o institucional.
A ficção será sempre um importante recurso para apontar e provocar a reflexão sobre aspectos do real que muitas vezes nos passam despercebidos ou que preferimos não ver e/ou enfrentar. Seja encenado, forjando situações, seja colocando foco sobre inusitadas imagens cotidianas, em ficções construídas através da laboriosa gestação, Flávia Bertinato nos contamina nos confronta e nos espelha. Assim, da residência vivida durante os cinco meses do Bolsa Pampulha em Belo Horizonte, ainda veremos certamente reverberar novas provocações sorvidas na observação dessa artista, sempre atenta à selvagem potência do ordinário.
Elisa Campos