Exposição Institucional: Instituto Figueiredo Ferraz

No jardim de Lina - Claudia Jaguaribe
No período de 31 de maio a 17 de setembro de 2022, Claudia Jaguaribe realizou a exposição No Jardim de Lina no Instituto Figueiredo Ferraz. Instituição a qual Claudia também possui obra em acervo.
 
De Claudia para Lina, a imagem de um entre-lugar
 
"Foi procurado, portanto, situar a casa na natureza, participando dos 'perigos' sem se preocupar com as 'proteções' usuais; a casa, de fato, não tem parapeitos." *

Sem uma intenção objetiva, desbravar uma casa - compreendendo sua implantação territorial, encontrando as oposições entre interior e exterior, identificando os limites entre construção e natureza, perscrutando seus mais recônditos cantos, entre outras coisas - parece ser o passo inicial da fotógrafa Claudia Jaguaribe. À primeira vista, seu labor pode se confundir com a fotografia de arquitetura, mas não é disso que se trata. É em sua origem uma prática diversa, inquieta e aberta pela qual a artista formaliza em matéria e imagem narrativas fissuradas do relato real.

Diferentemente da agenda totalizante e abstrata da arquitetura moderna, Claudia se coloca em pólo distinto, valendo-se da percepção de que o lugar é atravessado pelas cicatrizes do tempo e do uso. Ela se coloca no espaço ínterim da arquitetura de Lina, justamente por encontrar um outro território, por vezes oscilante, onde ironicamente a casa se equilibra. É nesse intermédio que de fato a residência oscila entre uma caixa cristalina suspensa em pilotis e, agora, uma quase caverna dominada pela natureza. Justamente no espaço transitório entre essas duas condições, Claudia cria um entre lugar fotográfico.

Entre o dia e a noite, em uma condição suspensa, um novo ambiente de natureza ficcional é construído. Nessa ambiência sobressaem-se as dicotomias do lugar, compostas pelo imponderável orgânico e pela solidez arquitetônica, e os detalhes de um território que sofre com as marcas indeléveis do tempo; esse todo impregnado por luz e tons de cores específicos. De certo, tudo nesse lugar parece tangenciar um espectro tonal entre o verde e o azul, variáveis conforme a incidência de luz e as tonalidades da natureza e dos objetos, em consonância com o micro-clima da casa.

Em livro, essa dualidade fica patente. A seleção e seqüência de imagens insinuam uma narrativa que circunscreve esse ambiente, denotando um caminho ficcional em que os contrastes se acentuam, o drama e a sobriedade convivem e o manual e o industrial se complementam. Mesmo não contando com a presença da figura humana em foco, sua lembrança atravessa o conjunto de imagens dispostas, afinal, todas elas foram realizadas em condição intrínseca à escala humana, portanto, no olhar de quem explora e se aventura. De forma intencional, a fotógrafa não deixa perder de vista essa noção escalar, variando de forma cirúrgica as aproximações e os afastamentos da vista.

65 anos depois da construção da Residência do Morumbi, expressão que a arquiteta utiliza para titular seu texto na revista Habitat e, conseqüentemente, nomear a casa, a fotógrafa Cláudia Jaguaribe parece ter resgatado e conciliado em suas imagens a premissa inicial de Lina Bo Bardi que, pela arquitetura – projeto e construção, intencionava "a comunhão entre a natureza e a ordem natural das coisas, opondo aos elementos naturais o menor número de elementos de defesa"*. É nesse risco da aproximação, nessa zona de oposição das coisas, justo onde falta parapeito ou cortina, que os lastros poéticos dessas duas mulheres inventoras confabulam.


* BARDI, Lina Bo. Residência no Morumbi, In GRINOVER, Marina; RUBINO, Silvana (org.). Lina por escrito: textos escolhidos de Lina Bo Bardi. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 80.


Diego Matos
Pesquisador e curador
 
 
Maio 31, 2022