Esta exposição foi concebida como uma provocação conceitual, na qual a artista consentiu em reduzir seu vocabulário a um mínimo – tanto no que diz respeito ao formato, às cores ou aos materiais – articulando-o por meio de variações. Assim, o curador esperava tornar aparente a gramática desse processo.
A propósito, é importante reconhecer o fato de que, ao longo das últimas três décadas, o trabalho de Elizabeth Jobim evoluiu gradualmente do expressionismo abstrato para uma prática construtiva cujo léxico comedido tem algumas coisas em comum com o conceitualismo. De fato, em seu trabalho, já se reconheceram algumas vezes referências ao concretismo da fase inicial ou ao neoconcretismo, ao passo que a sutil manipulação daquela tradição pela artista tem passado despercebida. Com efeito, o trabalho feito por Jobim nesta última década é um desafio consistente às nossas expectativas sobre como a pintura contemporânea interage com o espaço, e sua produção mais recente levou à criação de objetos que desafiam classificações fáceis, embaçando a separação entre pintura e escultura. As implicações espaciais dessa nova abordagem têm sido radicais, à medida que seus trabalhos gradualmente abandonaram as paredes e se espalharam pelo chão, em arranjos reminiscentes de instalações de Barry Le Va.
Luiz Camillo Osorio já havia notado um novo rumo na prática de Jobim em 2013, quando a pintura já se destacava da parede para interagir no espaço de exposição. Osorio observou, com perspicácia, que “a apreensão integral da forma instalada” se dava de modo fragmentado, passo a passo, à medida que o espectador percorria o espaço. Num ensaio de 2018, escrito para a exposição In this place, realizada na galeria Henrique Faria Fine Art, em Nova York, o historiador da arte venezuelano Juan Ledezma identificou no trabalho de Jobim um “conceito visual de disjunção”, trazido à luz, menos por “expedientes técnicos”, do que por ações de corte, recorte e desmembramento. Mais recentemente, Marta Mestre também abordou o “caráter ambiental” do trabalho de Jobim, que ganha “maior relevância” em seu “relacionamento sensorial com o corpo do espectador”.
É verdade que situar o processo de Jobim no contexto de artistas filiados ao concretismo e ao neo-concretismo rende uma argumentação coerente. É igualmente importante, porém, lembrar que para a sua geração, o legado modernista foi comprometido por artistas como Franz Erhard Walther, Franz West e Daniel Buren, cujos trabalhos transitam perigosamente entre arte e artefato. Sua exploração da forma, da cor e do espaço parece convergir com a estética do dia a dia de Jean-Luc Godard, como se pode notar em seu desconcertante uso da cor no filme One Plus One, no qual os Rolling Stones ensaiam Sympathy for the Devil em meio a uma instalação casual de painéis monocromáticos.
Lawrence Weiner deu a um trabalho seminal de 1991 um título que serve também como sua descrição: Bits & Pieces Put Together to Present a Semblance of a Whole (Pedaços reunidos para dar uma ideia de todo). Pintado sobre os tijolos vermelhos da fachada do Walker Art Center, em Minneapolis, o texto de Weiner parece sugerir algum mistério filosófico mais profundo, ou talvez apenas declarar uma obviedade sobre a construção de paredes: pedaços juntados etc. A sagacidade de Weiner ao usar linguagem que se confunde com objetos é uma constante ao longo de sua carreira, como mostra um trabalho anterior intitulado Many Colored Objects Placed Side by Side to Form a Row of Many Colored Objects (Muitos objetos coloridos postos lado a lado para formar uma fileira de muitos objetos coloridos).
Essas reflexões sobre Lawrence Weiner me vieram à mente há alguns meses, quando iniciei um diálogo com Elizabeth Jobim sobre sua nova série de esculturas. Embora o trabalho de Jobim não possa, estritamente, ser considerado conceitual do mesmo modo como consideramos aquele de Weiner, parece-me existir um parentesco entre os processos desses dois artistas, que não se deixa ver em termos de estilo, mas em algo que está profundamente entranhado na linguagem. Ambos os artistas nos pedem, cada um à sua maneira, para pensar em como a arte é construída, e, sobretudo, em como nós, o público, produzimos sentido a partir de arranjos e composições específicos. O contentamento que sentimos diante de obras dessa natureza faz lembrar a reação de Antonio Salieri, ficcionalizada no filme Amadeus (1979), ao ouvir a Gran Partita de Mozart. Realmente, o êxito de elevar a obra de arte da letra à vida, de sua fase conceitual, e fazê-la ressoar no espaço real, sempre nos pareceu um ato de magia. O poder que a arte tem de nos encantar parece estar na capacidade aparentemente infinita da linguagem de recombinar seu pequeno repertório de notas, palavras e formas em novas variações.
Antônio Sérgio Bessa
Texto da exposição Variações no Paço Imperial, Rio de Janeiro, 2019.